terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Fundamentos da Umbanda

Fundamentos da Umbanda

Por Alexandre Cumino
Quais são, afinal, os fundamentos da Umbanda?

O fundamento de uma religião é sua base, seu alicerce, a razão fundamental de sua doutrina e seu ritual.  

Na Umbanda, ouvimos falar muito nesta palavra "fundamento", em contextos como: "tal coisa tem ou não fundamento", "isto é um fundamento da religião". A palavra é usada e manipulada à revelia e, neste contexto, perde-se o significado de fundamento e confunde-se o fundamento do todo (coletivo) com fundamentos das partes (individuais). 

Para definir quais são os fundamentos da religião de Umbanda é preciso antes definir o que é Umbanda e, neste ponto, já encontramos uma dificuldade enorme para a maioria das pessoas que se apega mais à forma do que à essência. A maioria tenta definir o TODO pelas partes, o geral pelo específico. É preciso, antes, definir quais são as linhas mestras da Umbanda, o simples e básico, para depois, então, identificar seus FUNDAMENTOS BÁSICOS. Sabemos que a Umbanda possui unidade e diversidade. Na unidade está o básico que faz identificar, ou não, Umbanda; e na diversidade está a liberdade ritual e doutrinária de cada grupo, "umbandas".

Na unidade está o todo; e na diversidade estão as partes. O todo é algo comum a todas as partes. Logo, fundamentos básicos são aqueles que estão presentes em todas as suas partes, no todo.

Quando falamos de UMBANDA (singular e uma), estamos falando do todo; quando falamos em umbandas (múltipla e plural), estamos falando das partes. As partes também têm fundamentos. Em relação ao todo, esses fundamentos são parciais, fundamentos desta ou daquela parte, desta ou daquela Umbanda. Aí surgem fundamentos da Umbanda "Branca", "Tradicional", "Esotérica", "Popular", "Mista", "Trançada", "Africanista", "Omolocô", "Eclética", "Iniciática", etc. Fundamento da parte não é fundamento do todo; logo, fundamento de Umbanda é algo que deve ou pode ser aplicado ao Todo, em todas as partes e liturgias da religião. Só não podemos falar em "Verdadeira Umbanda", ou "Umbanda Pura".

Afirmar que algo é "o verdadeiro" é uma forma de desclassificar o restante e rotulá-lo de falso. Também não podemos falar em pureza dentro de uma religião que nasce com sincretismos. Aliás, não existe pureza em nenhuma religião. Todas nascem de cultos e ritos que lhes antecederam. Nada nasce do nada; nada se perde, tudo se transforma.

Daí a confusão que alguns fazem entre um fundamento ancestral religioso humano e a religião em si, que é um conjunto de fundamentos dentro de um contexto no espaço e no tempo. Por exemplo, confunde-se a religião de Umbanda com um de seus fundamentos que é a incorporação de espíritos, mais especificamente de Caboclos ou Pretos-Velhos.

Por essa confusão, passam a crer que Umbanda seja uma religião ancestral e milenar. Outros confundem a religião de Umbanda com a palavra Umbanda e passam a crer que a origem da religião se encontra na origem da palavra "Umbanda". Na língua quimbundo, essa palavra significa "arte da cura", que é a prática do xamã, o "kimbanda"; aqui no Brasil, "Umbanda" se insere em outro contexto; a palavra é resignificada, é um neologismo para identificar uma religião que, embora tenha semelhanças com práticas xamânicas de todos os povos, difere na estrutura.

O básico do básico na Umbanda é reconhecer que se trata de uma religião brasileira fundada no dia 15 de novembro de 1908, por Zélio de Moraes e o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Podemos identificar nas palavras do Caboclo das Sete Encruzilhadas os fundamentos mais básicos de Umbanda:

"Umbanda é a manifestação do espírito para a prática da caridade".
"Aprender com quem sabe mais e ensinar a quem sabe menos, e a ninguém virar as costas".

      Parece pouco, mas já é muito. Atendimento caritativo é a base doutrinária da religião, sem nenhuma forma de preconceito com relação às entidades que se manifestam. Quem lançou a pedra fundamental da religião foi um espírito que teve muitas encarnações e, entre elas, foi o frei Gabriel de Malagrida, que fez a opção de se apresentar como "Caboclo". Seguido a essa manifestação, apresentou-se o Preto-Velho Pai Antônio, e ambos chamaram falanges de Caboclos e Pretos-Velhos para trabalhar na Umbanda. Logo, "Caboclo" e "Preto-Velho" são formas de se apresentar escolhidas pelos espíritos que militam na Umbanda.

Aqui está um fundamento básico da Umbanda: as entidades se organizam no astral em linhas e falanges identificadas pela forma de apresentação, as quais guardam relação com os santos, Orixás e forças da natureza.

A música é um fundamento de Umbanda. A nossa música sagrada é chamada de "pontos de Umbanda". Para executá-Ia, não é obrigatório o uso de atabaques, mas a cada dia vemos mais terreiros aderindo ao som dos atabaques que, quando bem tocados, auxiliam nos trabalhos espirituais. O som grave da percussão de couro, ou similar, trabalha o nosso chacra básico e a energia da terra, o que ajuda o médium a sintonizar com uma força primordial e desacelerar um pouco a cabeça. Voltando-se à terra, a mente para um pouco de pensar e atrapalhar o processo mediúnico.

    O uso de símbolos riscados no chão é um fundamento mágico da religião de Umbanda, magística por excelência. São os "pontos riscados", por meio dos quais as entidades espirituais traçam "espaços mágicos", abrem vórtices de energia e campos de vibração para limpeza, descarga, cortes de energia, imantação, consagração e também para evocar as forças, poderes e mistérios dos Orixás. Essa "Magia de Pemba" é presente desde o nascimento da religião e constitui um vasto campo de estudos, polêmicas e realizações. Existem muitas formas de grafias e escritas mágicas. Os guias de Umbanda têm uma forma particular de escrever sua magia, por meio de um giz mineral chamado de "pemba".

O uso das velas também é um dos fundamentos de Umbanda; por mais simples que seja o trabalho espiritual, sempre existe no mínimo uma vela acesa. Acendemos velas para os Orixás e Guias de Umbanda. A vela potencializa e perpetua os pedidos e orações dos adeptos das religiões. Muitos têm medo de acender velas em suas residências, no entanto, o umbandista sabe que, quando uma vela tem "dono" espiritual, nada de mal pode ser desencadeado por meio dela, pois a força a que ela está ligada sempre se manifestará para proteger o fiel umbandista.

Entre o uso de velas está também um fundamento simples e muito presente na Umbanda, a vela para o "anjo da guarda". Costuma-se acender uma vela de sete dias para o anjo da guarda como forma de proteção do praticante de Umbanda. Anjo da Guarda é um mistério de Deus voltado à nossa proteção. Ter sempre uma vela acesa traz segurança mediúnica e proteção espiritual, que se estende ao campo emocional do médium. Claro que, como todas, é uma proteção que depende do merecimento e da postura desse médium diante da vida e de seu círculo de relacionamentos.

A defumação é um fundamento de Umbanda e consiste em queimar ervas secas e resinas, devidamente escolhidas, em um recipiente, turíbulo, contendo carvão em brasa, com objetivo de promover uma limpeza astral por meio da fumaça aromática e sua ação mágica.

O fumo é um fundamento de Umbanda, que muitos confundem com o vício de fumar. As entidades de Umbanda manipulam o fumo, uma erva sagrada, nas formas mais variadas, como charuto e cachimbo, promovendo uma defumação direcionada pelo sopro associado a seu poder curativo e purificador.

As bebidas são fundamentos de Umbanda. Assim como o fumo, confunde-se a manipulação de bebidas com o vicio de beber. As entidades de Umbanda não precisam beber, elas usam a bebida como recurso de limpeza e purificação. As bebidas são consagradas pelas entidades e também podem ajudar na criação de um ambiente e um contexto que sejam familiares ao consulente.

Banhos de ervas são um fundamento de Umbanda. Um dos recursos mais utilizados por guias e médiuns de Umbanda é promover uma limpeza espiritual e energética pessoal com banhos feitos à base de infusões de ervas com propriedades que vão desde atrair uma força até a neutralização de energias negativas.

Oferendas na Natureza são fundamentos de Umbanda. Muitos desses fundamentos são práticas milenares, como o caso das oferendas às divindades em seus pontos de força na natureza. Por meio das oferendas, o praticante reconhece a importância do contato com a natureza e a relação da mesma com os Orixás. As divindades não se alimentam das oferendas. Esse ato de ofertar traz efeitos emocionais aliados a ações mágicas que realizam verdadeiras transformações na vida daqueles que se colocam de frente para as divindades, com respeito, humildade, devoção e reverência.

As "sete linhas de Umbanda" são um fundamento muito polêmico e discutido desde os primórdios da religião, pois cada um cria ou inventa suas sete linhas de Umbanda particulares. No entanto, basta saber que o fundamento das sete linhas se refere às sete vibrações de Deus, que são sete energias básicas na criação. Existem muitos Orixás, muito mais do que sete. Cada grupo adapta sete linhas para os Orixás que já conhece. Cada um estudo mais aprofundado, é possível identificar todos os Orixás conhecidos nas mesmas sete vibrações, as sete linhas de Umbanda. Certa vez, um guia me falou: "Filho, quando lhe perguntarem o que são as sete linhas de Umbanda, diga que são as sete formas que Deus tem de nos Amar".

     Sacrifício animal não é um fundamento de Umbanda, o que quer dizer que para se praticar Umbanda não é necessário fazer sacrifício animal, e que a grande maioria dos terreiros de Umbanda não pratica o sacrifício animal. As práticas de sacrifício surgem, em alguns seguimentos de Umbanda, por influência do Candomblé e de outros cultos de nação. Geralmente, os terreiros que adotam sacrifícios animais se denominam como tendas de "Umbanda Africanista", que podem ser chamadas também de "Umbanda Mista", "Umbanda Trançada", "Umbanda Omolocô", ou "Umbandomblé". Este último pode se aproximar dos terreiros de Candomblé que passaram a trabalhar com entidades de Umbanda (Caboclos, Pretos-Velhos, etc.), ou vice-versa. Nesse caso, é difícil definir se é Umbanda ou Candomblé, embora sejam duas religiões distintas e com diferentes fundamentos.

Quanto ao ritual, é bem simples e musicado, na maioria das vezes segue uma sequência que pode variar um pouco, mas que em geral fica nesta ordem: oração, saudação à esquerda, bater cabeça, abrir cortina (quando tiver), defumação, hino da Umbanda, abrir a gira, saudação às sete linhas, saudação aos Orixás e guias chefes da casa, chamada de Orixás ou guias que darão sustentação ao trabalho e chamada da linha de entidades que dará atendimento (passe e consulta); ao final dos atendimentos, ocorre a subida das entidades, podendo, ou não, ter descarrego dos médiuns com esta ou outra linha que venha para tal atividade.

     A Umbanda não tem verdades inquestionáveis (dogmas) nem assuntos proibidos ou interditados (tabus). No entanto, para falar de fundamentos é essencial ter conhecimento de causa, conhecer profundamente o assunto e, no caso da Umbanda, conhecer sua história, doutrina, teologia, liturgia, ritualística... Caso contrário, como diria meu amigo, irmão e mestre, Rubens Saraceni: "Tudo permanece no campo de uma ciência chamada achologia, um campo de incertezas e divagações".